quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Índios e Brancos – difícil convivência 2ª Parte


Profª Marcia Regina Nava Sobreira

   Para tornar mais verídico os relatos sobre os conflitos existentes entre brancos e índios na região de Bauru, transcrevemos (literalmente) um artigo publicado no “Diário da Noroeste”, em 1 de agosto de 1929, p.2, n.1203, cujo título é “A Conquista da Noroeste”: as lutas contra os índios, que relata casos de ataques a colonos que foram registrados pelo Arquivo do Estado de São Paulo:
   Nas lutas contra os índios o bandeirante audaz nem sempre levou a melhor. Antes foram eles um tropeço permanente ao desbravamento do sertão. O índio, porém, quer vitorioso, quer derrotado, afastava-se do branco. E o paulistano plantando pelo caminho que abria, as pequenas vilas que eram, acima de tudo, as sentinelas avançadas da civilização.
   Na penumbra do passado, Gentil de Assis Moura foi encontrada, nos archivos de São Paulo, referencia a uma colonização tenteada neste sertão por Bartholomeu Paes de Abreu, sertanista de Sorocaba, que se produzira abrir uma estrada até Cuyabá. Paes de Abreu, fundou em local escolhido na bacia do Aguapely, um sítio que entregou aos cuidados de um Manoel Lopes. Este sítio caiu logo em ruínas. Gentil Moura inclina-se pela hypótese de que a abertura da estrada e a formação de sítios, implicavam na escravização de índios, resultando daí sérias lutas. O que se sabe de positivo, porém, é que os índios mataram os escravos de Manuel Lopes e que o sertão do Aguapey, depois dessa tentativa, ficou quase dois séculos sem colonizar.
   Depois já em meados do século passado, as entradas de sertanistas foram dando lugar à repetição dos trucidamentos de parte a parte. Em 1852 Pedro Francisco Pinto é trucidado pelos coroados em seu sítio, na bacia do Batalha, onde fôra residir com a família, parentes e escravos.
   Não se conhecem as circunstâncias de sua morte. Mas não será fora de propósito afirmar-se que os índios se vingaram de um deste dois fatos: ou do aposseamento daquilo que lhes julgavam só a eles pertencer ou de batidos de Pinto para trazê-los à submissão.
   Antes, porém em 1850, um fato ocorreu de sinistras conseqüências. Alguns camaradas, no Tambrary, faziam uma caçada. Distraídos no trabalho, caíram sobre eles os índios. E, embora reagissem prontamente, a surpresa do ataque não evitou a morte de dois caboclos, ambos os moços e destemidos:
                        Francisco Gomes
                        Antonio Luiz
   Esse crime não podia ficar sem vingança. E organizou-se uma “dada” contra o acampamento dos índios que se supunha serem os autores do ataque. A caravana se pois um dia em marcha. Cautelosos caminhavam os caboclos pela mata, abrindo o facão a picada que lhes dava passagem. Na frente de todos, João Moreira, menos cauteloso e mais valente, manejava com rigor o seu facão. De repente escapava-se um grito do peito. Nas carnes moças cravava-se uma flecha que ali mesmo o prostra em que se descubra o índio audaz que só, no recesso da mata, se atrene a afrentar um grupo numerosos de inimigo.
   João Moreira fraqueja. Em vão os companheiros o reanimam. O ferimento é fatal. Foi seta herdada. Não há recursos que evitam a morte. E contorce-se. E pede um remédio. E suplica um alivio. Mas está escrito: pagará, morrendo, a sua valentia. E a vida se lhe esvae. Inutilmente bateram alguns os arredores. Não foi possível encontrar o índio. A terra parecia havê-lo tragado.
   Na impossibilidade de reconduzir ao Lambary o morto querido no próprio local se lhe dará sepultura. A sombra propicia de uma alta pérola, José Joaquim Cesário abre a cova. Trabalha pacientemente, com uma cavadeira de pau, no seu piedoso mister. Nova flecha corta as aves atingindo o improvisado coveiro. O ferimento não foi fatal. Mas José Joaquim sofreu, pelo resto da vida as conseqüências.
   E a expedição sempre acossada pelos índios, desorientou-se. Perdeu-se no sertão. Sofrendo privações horríveis, não desanimaram os sertanistas. E conseguiram encontrar afinal, o caminho que os conduzira ao ponto de partida, para levar aos que ficaram a noticia dolorosa do Malogo e da morte de João Moreira.
   Fermina Dutra, como toda brasileira nascida e criada na bruteza do sertão, não conhecera nunca o medo. Assim, enquanto os homens iram para as roças, ficava ela inteiramente só entregue aos seus afazeres domésticos. Um dia os índios, que há tempos rondavam o seu rancho, deliberam pregar-lhe um grande susto: incendiar o rancho e o monjolo e carregar tudo quanto de interessante se lhes aparecesse.
   Absolvida nos serviços da casa, não se apercebeu da aproximação dos índios, que haviam posto fogo no monjolo e tentavam agora queimar-lhe o rancho. Grita. E apavorada, sae a correr. Os coroados, certos de que ela voltaria em seguida com os homens da roça apressam a fuga, apenas levando o tacho grande em que Fermina fervia e transformava o caldo de cana em assucar...
   Semelhante ataque, culminando no roubo de um utensílio tão valioso para caboclo, não podia passar sem um castigo severo...
   E as vizinhas de Fermina resolveram desagravá-la. Organizaram uma batida que desde logo contou com o apoio de Antonio Dutra, Joaquim Cardoso da Silva, João Dutra, Ignacio Pinto Gomes, os negros Quitiliano e Gabriel, Américo de tal, e outras pessoas orientados pelos mateiros percorreu o grupo muitas léguas e encontraram, afinal o acampamento.
    E o incêndio do Monjolo e o furto do rico tacho foram condignamente vingados!
    Estava Fermina Dutra desagradada! A volta foi alegre. Principalmente pelos motivos dirigidos a Américo, que por ocasião do ataque, tremendo como varas verdes, “botava pólvora na boca” para criar coragem...
   No lugar denominado Tubarana residiu outrora uma viúva chamada Policena, que abriu uma lavoura, como todas as outra incipiente. Resolvendo organizar um mutirão, preparou tudo quanto é necessário a uma reunião deste gênero. E feitos os preparativos, convidou a vizinhança. Acontecimento extraordinário no sertão, para ele comergiu a atenção de muitas léguas em redor! E no dia atrasado foram chegando, um a um os bons vizinhos. Não havia de faltar os Gonçalves, caboclos muito relacionados nas redondezas.
   Realizou-se a mutirão com entusiasmo peculiar a este acontecimento. Como, porém, apesar do afino de todos, não se pudera terminar o serviço, a vítima manifestou a alguns dos presentes o desejo de que ficassem para acabar, no dia seguinte, a derrubada de um pedaço de mato.
   Decididos como sempre, ofereceram prontamente os seus préstimos os jovens Manoel e Joaquim, filhos do velho Francisco Gonçalves Ferreira. E enquanto os demais, após a festança de que cada um levava as mais agradáveis recordações, se despediram da viúva Policena, os dois irmãos, cansados do trabalho do dia e exausto pelo invasão de toda a parte, recolheram-se para o descanso necessário.
   Logo de madrugada partiram os caboclos para o mato, com os seus machados e foices bem afiados. Durante horas entregaram-se com, afinco, inclusive a viúva, ao trabalho penoso de derrubada. E prosseguiam com tenacidade inalterável, quando os índios, que os espreitavam, caíram sobre todos, sem dar-lhes tempo a um gesto de defesa. De longe a cena foi vista por uma menina que levava o caldeirão com o almoço. E largando tudo, disparou para traz uma corrida louca, indo avisar os Cardosos. Quando estes chegaram no local, depararam com o quadro inenarrável do morticínio horrível. Nada mais puderam fazer senão tirar os cadáveres que, mutilados, jaziam no chão sem as cabeças, levadas pelos índios. Desolados, trataram os vizinhos de transportar a S. Domingos os despojos das vítimas. Depois de dois longos dias de marcha, sob um sol abrasador, em carros de bois, repousaram para sempre os corpos daqueles que, em pleno sertão, os sacrificavam por um gesto de desprendimento e de solidariedade.
   Francisco Gonçalves Ferreira, o bravo sertanista pae dos  moços trucidados, não podendo suportar a angustia que lhe ia n’ alma e receando novos ataques de que seria alvo o resto da família, abandonou a sua lavoura e retirou-se das proximidades do lugar fatal.
   Os das casas que se seguem são contadas por Gentil de Assis Moura em seu relatório sobre a exploração do rio Feio.
   Preocupados com os trabalhos foram repentinamente atacados dois moços um, camarada e outro, genro de Veríssimo. Ocorreu o fato em 1898 na margem do Dourado, a uma légua das Congonhas. Os índios matavam os dois sertanejos a tacape e lhes mutilavam os corpos com requintes de ferocidade. Um foi degolado depois de lhes terem descalçado uma bota e lhes terem levado a outra com a perna. Sendo despido, sofreu em seguida o suplício da empalação, passou o outro, cujas mãos, pés e um braço foram barbaramente arrancados.
   No mesmo ano, no bairro do Pires, próximo a fazenda Acampamento, dois moços que igualmente se acharam na roça, foram atacados de surpresa e degolados, sofrendo ainda a amputação das mãos e dos pés. O rosto de um e de outro foi mordido atrozmente, ficando das dentadas uma grande chaga.
   Mas de todas, o trucidamento que mais dolorosamente repercutiu em todo o Estado, porque para a vítima principal as atenções grandes se voltaram naquele momento, foi o de Monsenhor Claro Marcondes, Sacerdote ilustre. Que se propuzera a tarefa gigantesca de explorar o rio Feio e catequisar os coroados.
   Insistimos, porém, mais uma vez, em acentuar quanto é ingrata a Zona Noroeste à memória do grande sacerdote. Nem uma rua, nem uma praça, nem uma herma que lembre aos pastores a abnegação e o heroismo, eliminando no sacrifício, de quem procurou desvendar uma região riquíssima, em que vinte e poucos anos depois cem milhões de cafeiros e o trabalho dos homens da Noroeste são uma realidade edificante para o orgulho de São Paulo e do Brasil.
                        ... E o índio hoje, é fazendeiro e tem automóvel e trabalha para a grandeza da zona”. T.F.
   No final do artigo o autor faz referência ao processo de aculturação que o índio já vinha sofrendo naquele tempo e que é também causa de seu desaparecimento como um povo. Não é preciso ser profeta para escrever que em pouco tempo as gerações futuras só verão índios nos livros de historia, televisão, cinema e revistas se não for feito algo de concreto por parte das autoridades e todos os brasileiros para impedir que isto ocorra. O tempo não espera.
   Este capítulo da história seria um tema para um filme.

(Publicado no Diário de Bauru em 22/07/1990, p. 11)

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