Profª Marcia Regina Nava Sobreira
Para tornar mais verídico os relatos
sobre os conflitos existentes entre brancos e índios na região de Bauru,
transcrevemos (literalmente) um artigo publicado no “Diário da Noroeste”, em 1
de agosto de 1929, p.2, n.1203, cujo título é “A Conquista da Noroeste”: as
lutas contra os índios, que relata casos de ataques a colonos que foram
registrados pelo Arquivo do Estado de São Paulo:
Nas
lutas contra os índios o bandeirante audaz nem sempre levou a melhor. Antes
foram eles um tropeço permanente ao desbravamento do sertão. O índio, porém,
quer vitorioso, quer derrotado, afastava-se do branco. E o paulistano plantando
pelo caminho que abria, as pequenas vilas que eram, acima de tudo, as
sentinelas avançadas da civilização.
Na
penumbra do passado, Gentil de Assis Moura foi encontrada, nos archivos de São
Paulo, referencia a uma colonização tenteada neste sertão por Bartholomeu Paes
de Abreu, sertanista de Sorocaba, que se produzira abrir uma estrada até
Cuyabá. Paes de Abreu, fundou em local escolhido na bacia do Aguapely, um sítio
que entregou aos cuidados de um Manoel Lopes. Este sítio caiu logo em ruínas. Gentil Moura
inclina-se pela hypótese de que a abertura da estrada e a formação de sítios,
implicavam na escravização de índios, resultando daí sérias lutas. O que se
sabe de positivo, porém, é que os índios mataram os escravos de Manuel Lopes e
que o sertão do Aguapey, depois dessa tentativa, ficou quase dois séculos sem
colonizar.
Depois
já em meados do século passado, as entradas de sertanistas foram dando lugar à
repetição dos trucidamentos de parte a parte. Em 1852 Pedro Francisco Pinto é
trucidado pelos coroados em seu sítio, na bacia do Batalha, onde fôra residir
com a família, parentes e escravos.
Não
se conhecem as circunstâncias de sua morte. Mas não será fora de propósito
afirmar-se que os índios se vingaram de um deste dois fatos: ou do aposseamento
daquilo que lhes julgavam só a eles pertencer ou de batidos de Pinto para
trazê-los à submissão.
Antes,
porém em 1850, um fato ocorreu de sinistras conseqüências. Alguns camaradas, no
Tambrary, faziam uma caçada. Distraídos no trabalho, caíram sobre eles os
índios. E, embora reagissem prontamente, a surpresa do ataque não evitou a
morte de dois caboclos, ambos os moços e destemidos:
Francisco
Gomes
Antonio
Luiz
Esse
crime não podia ficar sem vingança. E organizou-se uma “dada” contra o
acampamento dos índios que se supunha serem os autores do ataque. A caravana se
pois um dia em
marcha. Cautelosos caminhavam os caboclos pela mata, abrindo
o facão a picada que lhes dava passagem. Na frente de todos, João Moreira,
menos cauteloso e mais valente, manejava com rigor o seu facão. De repente
escapava-se um grito do peito. Nas carnes moças cravava-se uma flecha que ali
mesmo o prostra em que se descubra o índio audaz que só, no recesso da mata, se
atrene a afrentar um grupo numerosos de inimigo.
João
Moreira fraqueja. Em vão os companheiros o reanimam. O ferimento é fatal. Foi
seta herdada. Não há recursos que evitam a morte. E contorce-se. E pede um
remédio. E suplica um alivio. Mas está escrito: pagará, morrendo, a sua
valentia. E a vida se lhe esvae. Inutilmente bateram alguns os arredores. Não
foi possível encontrar o índio. A terra parecia havê-lo tragado.
Na
impossibilidade de reconduzir ao Lambary o morto querido no próprio local se
lhe dará sepultura. A sombra propicia de uma alta pérola, José Joaquim Cesário
abre a cova. Trabalha pacientemente, com uma cavadeira de pau, no seu piedoso
mister. Nova flecha corta as aves atingindo o improvisado coveiro. O ferimento
não foi fatal. Mas José Joaquim sofreu, pelo resto da vida as conseqüências.
E
a expedição sempre acossada pelos índios, desorientou-se. Perdeu-se no sertão.
Sofrendo privações horríveis, não desanimaram os sertanistas. E conseguiram
encontrar afinal, o caminho que os conduzira ao ponto de partida, para levar
aos que ficaram a noticia dolorosa do Malogo e da morte de João Moreira.
Fermina
Dutra, como toda brasileira nascida e criada na bruteza do sertão, não
conhecera nunca o medo. Assim, enquanto os homens iram para as roças, ficava
ela inteiramente só entregue aos seus afazeres domésticos. Um dia os índios,
que há tempos rondavam o seu rancho, deliberam pregar-lhe um grande susto:
incendiar o rancho e o monjolo e carregar tudo quanto de interessante se lhes
aparecesse.
Absolvida
nos serviços da casa, não se apercebeu da aproximação dos índios, que haviam
posto fogo no monjolo e tentavam agora queimar-lhe o rancho. Grita. E apavorada,
sae a correr. Os coroados, certos de que ela voltaria em seguida com os homens
da roça apressam a fuga, apenas levando o tacho grande em que Fermina fervia e
transformava o caldo de cana em assucar...
Semelhante
ataque, culminando no roubo de um utensílio tão valioso para caboclo, não podia
passar sem um castigo severo...
E
as vizinhas de Fermina resolveram desagravá-la. Organizaram uma batida que
desde logo contou com o apoio de Antonio Dutra, Joaquim Cardoso da Silva, João
Dutra, Ignacio Pinto Gomes, os negros Quitiliano e Gabriel, Américo de tal, e outras pessoas orientados
pelos mateiros percorreu o grupo muitas léguas e encontraram, afinal o
acampamento.
E
o incêndio do Monjolo e o furto do rico tacho foram condignamente vingados!
Estava
Fermina Dutra desagradada! A volta foi alegre. Principalmente pelos motivos
dirigidos a Américo, que por ocasião do ataque, tremendo como varas verdes,
“botava pólvora na boca” para criar coragem...
No
lugar denominado Tubarana residiu outrora uma viúva chamada Policena, que abriu
uma lavoura, como todas as outra incipiente. Resolvendo organizar um mutirão,
preparou tudo quanto é necessário a uma reunião deste gênero. E feitos os
preparativos, convidou a vizinhança. Acontecimento extraordinário no sertão,
para ele comergiu a atenção de muitas léguas em redor! E no dia atrasado foram
chegando, um a um os bons vizinhos. Não havia de faltar os Gonçalves, caboclos
muito relacionados nas redondezas.
Realizou-se
a mutirão com entusiasmo peculiar a este acontecimento. Como, porém, apesar do
afino de todos, não se pudera terminar o serviço, a vítima manifestou a alguns
dos presentes o desejo de que ficassem para acabar, no dia seguinte, a
derrubada de um pedaço de mato.
Decididos
como sempre, ofereceram prontamente os seus préstimos os jovens Manoel e
Joaquim, filhos do velho Francisco Gonçalves Ferreira. E enquanto os demais,
após a festança de que cada um levava as mais agradáveis recordações, se
despediram da viúva Policena, os dois irmãos, cansados do trabalho do dia e
exausto pelo invasão de toda a parte, recolheram-se para o descanso necessário.
Logo
de madrugada partiram os caboclos para o mato, com os seus machados e foices
bem afiados. Durante horas entregaram-se com, afinco, inclusive a viúva, ao
trabalho penoso de derrubada. E prosseguiam com tenacidade inalterável, quando
os índios, que os espreitavam, caíram sobre todos, sem dar-lhes tempo a um
gesto de defesa. De longe a cena foi vista por uma menina que levava o caldeirão
com o almoço. E largando tudo, disparou para traz uma corrida louca, indo
avisar os Cardosos. Quando estes chegaram no local, depararam com o quadro
inenarrável do morticínio horrível. Nada mais puderam fazer senão tirar os
cadáveres que, mutilados, jaziam no chão sem as cabeças, levadas pelos índios.
Desolados, trataram os vizinhos de transportar a S. Domingos os despojos das
vítimas. Depois de dois longos dias de marcha, sob um sol abrasador, em carros
de bois, repousaram para sempre os corpos daqueles que, em pleno sertão, os
sacrificavam por um gesto de desprendimento e de solidariedade.
Francisco
Gonçalves Ferreira, o bravo sertanista pae dos
moços trucidados, não podendo suportar a angustia que lhe ia n’ alma e
receando novos ataques de que seria alvo o resto da família, abandonou a sua
lavoura e retirou-se das proximidades do lugar fatal.
Os
das casas que se seguem são contadas por Gentil de Assis Moura em seu relatório
sobre a exploração do rio Feio.
Preocupados
com os trabalhos foram repentinamente atacados dois moços um, camarada e outro,
genro de Veríssimo. Ocorreu o fato em 1898 na margem do Dourado, a uma légua
das Congonhas. Os índios matavam os dois sertanejos a tacape e lhes mutilavam
os corpos com requintes de ferocidade. Um foi degolado depois de lhes terem
descalçado uma bota e lhes terem levado a outra com a perna. Sendo despido, sofreu em seguida o suplício da empalação,
passou o outro, cujas mãos, pés e um braço foram barbaramente arrancados.
No
mesmo ano, no bairro do Pires, próximo a fazenda Acampamento, dois moços que
igualmente se acharam na roça, foram atacados de surpresa e degolados, sofrendo
ainda a amputação das mãos e dos pés. O rosto de um e de outro foi mordido
atrozmente, ficando das dentadas uma grande chaga.
Mas
de todas, o trucidamento que mais dolorosamente repercutiu em todo o Estado,
porque para a vítima principal as atenções grandes se voltaram naquele momento,
foi o de Monsenhor Claro Marcondes, Sacerdote ilustre. Que se propuzera a
tarefa gigantesca de explorar o rio Feio e catequisar os coroados.
Insistimos,
porém, mais uma vez, em acentuar quanto é ingrata a Zona Noroeste à memória do
grande sacerdote. Nem uma rua, nem uma praça, nem uma herma que lembre aos
pastores a abnegação e o heroismo, eliminando no sacrifício, de quem procurou
desvendar uma região riquíssima, em que vinte e poucos anos depois cem milhões
de cafeiros e o trabalho dos homens da Noroeste são uma realidade edificante
para o orgulho de São Paulo e do Brasil.
...
E o índio hoje, é fazendeiro e tem automóvel e trabalha para a grandeza da
zona”. T.F.
No
final do artigo o autor faz referência ao processo de aculturação que o índio
já vinha sofrendo naquele tempo e que é também causa de seu desaparecimento
como um povo. Não é preciso ser profeta para escrever que em pouco tempo as
gerações futuras só verão índios nos livros de historia, televisão, cinema e
revistas se não for feito algo de concreto por parte das autoridades e todos os
brasileiros para impedir que isto ocorra. O tempo não espera.
Este
capítulo da história seria um tema para um filme.
(Publicado no Diário de Bauru em
22/07/1990, p. 11)
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